No interior, há 26 anos, qualquer pessoa que se atrevesse a fazer algo diferente seria chamado de doido. Correr na cidade ou na zona rural, pelas pistas, por estradas de barro, pelas fazendas e sítios chamava a atenção das pessoas, o que me enquadrava naquela categoria de pessoa desprovida de juízo. Com o tempo, muitos colegas deixaram a vergonha de lado e passaram a correr comigo, mas logo desistiam.
Nos Estados Unidos, Jim Fixx, um ex-fumante com sobrepeso, começou a correr em 1967, aos 35 anos, e descobriu os benefícios dessa atividade física. Em 1977, ele relatou toda a sua experiência no livro Guia Completo de Corrida (FIGURA 1), inspirando milhões de pessoas a correr. Isso incluía um matuto de Surubim que já gostava de ler e de correr. Aquela leitura ajudou a manter a minha auto-estima em níveis elevados, sabendo que não era o único maluco no mundo que gostava de correr.
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FIGURA 1 - Capa do livro Guia Completo de Corrida de Jim Fixx, publicado em 1977. |
Naquele tempo, a Corrida de São Silvestre já era transmitida ao vivo pela televisão, e eu ficava admirando aqueles atletas e sonhando em participar de uma corrida de pedestrianismo. Descobri que no Recife existiam algumas corridas de rua e, de 1985 a 1989, participei de muitas provas, principalmente da extinta Corrida da Fogueira, organizada pelo Clube Náutico Capibaribe (FIGURA 2). Também tenho boas lembranças da Corrida Guararapes de Pedestrianismo, promovida até hoje pela Polícia Militar de Pernambuco (FIGURA 3). Naquela época, as corridas distribuíam diplomas de participação. As medalhas eram apenas para os vencedores.
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FIGURA 2 - Diploma de participação na 51ª Corrida da Fogueira, organizada pelo Clube Náutico Capibaribe, em 1987. |
Em 1989, passei no vestibular e fui estudar na UPE, no município de Nazaré da Mata (a 80km de Surubim), sonhando que a Biologia era o melhor curso do mundo. Foi bom acreditar nisso, pois ainda penso assim! Para estudar, tinha que viajar duas horas para chegar à universidade. Diariamente dormia sempre depois da meia-noite e isso afetou a minha rotina de treinos.
Do interior para a capital
Em 1991, transferi o meu curso para a UFRPE, em Recife, e fui morar na casa do meu Tio Luciano, que também era militar e ex-combatente. Às vezes, quando eu chegava da universidade por volta das 21 horas, antes de jantar, ainda tinha disposição para calçar o tênis e dar umas dez voltas na pracinha do Engenho do Meio. O meu tio ficava admirado, mas incentivava e aprovava a minha disposição. No final de semana, corria no campus da UFPE, que ficava pertinho lá de casa. Quem diria que alguns anos depois ali seria o meu lugar de trabalho?
Já formado Biólogo e trabalhando como professor em uma escola no bairro da UR7 (em Camaragibe) fui morar em Jardim Petrópolis, próximo à Mata de São João da Várzea e a dois quilômetros da Oficina Brennand. Aquela estrada de terra cortando a mata me convidava o tempo todo para correr. Lembro que assim que ganhei o meu primeiro salário fui comprar um tênis Nike para correr. Quase que diariamente passava por ali, sempre correndo e escutando as aves da Mata Atlântica. Seria um presságio? Isso era o ano de 1997.
Em 1999, casei com Ana Carolina e fui morar no bairro da Iputinga. Saia sempre para correr na Pracinha do Bom Pastor, próximo à Colônia Penal Feminina, disputando espaço com crianças e cachorros. Alguns anos depois, a Prefeitura da Cidade do Recife urbanizou o Canal do Cavouco e organizou uma pista de corrida com aproximadamente dois quilômetros. Mas, nessa época já não corria tanto assim, a instabilidade no emprego, o Mestrado e a chegada de Laura elegeram outras prioridades em minha vida. A corrida existia no meu cotidiano como algo completamente irregular.
Em 2006, ano em que eu viria a ser professor da UFPE, tinha muitas dificuldades para completar 30 minutos de corrida. Nos jornais, via as propagandas das corridas de rua e sempre sonhava em um dia voltar a fazer dez quilômetros. Existia um sentimento de frustração... Não queria fazer 10 quilômetros em 35 minutos, mas apenas concluir o percurso bem. Isso parecia impossível, pois já estava com quase 40 anos.
Quando foi anunciada a Meia Maratona do Circuito SESI Brasil em Recife, em outubro de 2009, pensei em participar, mas aquela cobrança natural de quem já competiu fazia-me envergonhar de uma possível desistência no meio do caminho. Foi aí que recebi a ligação do amigo Jamildo Melo, jornalista e blogueiro do Jornal do Commercio (Blog de Jamildo), convidando-me para participar da equipe de revezamento dos jornalistas para a Meia Maratona. Aceitei prontamente. Para encurtar a história, ficamos em primeiro lugar (FIGURA 4). Para mim foi espetacular, voltar a competir, ter a emoção de cruzar a linha de chegada e ficar em primeiro lugar. Depois dessa experiência, já esperava ansiosamente pelas próximas corridas de rua.
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FIGURA 4 - Blog de Jamildo anunciando a vitória da equipe dos jornalistas na prova de revezamento da Meia Maratona Sesi, em outubro de 2009, em Recife/PE. |
Via aqueles corredores dando muitas voltas sem cansar, em um ritmo de fazer inveja. Comecei como todo mundo, correndo devagarzinho e comemorando cada volta a mais ou então os muitos recordes batidos nos cinco quilômetros. Estando ali, inevitavelmente chegaria a ACORJA.
O porteiro do prédio onde resido, que também é corredor, uma vez me perguntou se eu conhecia Lula Holanda e por que eu não entrava para a ACORJA. “ACORJA? Que é isso?”
Perguntei ao oráculo Google e, de cara, fui parar no blog do (Ultra)Maratonista Pernambucano Júlio Cordeiro. Lembro que li todos aqueles relatos e fiquei sonhando em poder participar daquele grupo, de realizar corridas em lugares lindos e ganhar medalhas. Vi em um dos posts do Júlio o e-mail de Lula Holanda, o presidente da ACORJA, e não hesitei em fazer contato. Fui prontamente informado e convidado para o próximo treino. Vejam abaixo:
Gilmar / Ricardo,
Segue abaixo a programação.
Nos veremos na quinta-feira as 05:20h, na Jaqueira.
LULA HOLANDA
Lula,
Obrigado pelo simpático contato e programação da Acorja. Espero ter fôlego para acompanhar o grupo. Confirmo a minha participação na próxima quinta-feira.
Grande abraço!
Gilmar
Valeu campeão!!!
Estamos te aguardando.
Abraço,
LULA HOLANDA
Quinta-feira, 10 de junho de 2010, entrei para a ACORJA e, junto com Ricardo Galinho, fomos acolhidos de forma magnífica por todos, que rapidamente nos ensinaram a ter disciplina e a treinar com regularidade para se atingir as metas estabelecidas.
Em pouco tempo, eu já estava fazendo longões de 25 quilômetros e correndo meias maratonas, como a do Recife, com o excepcional tempo de 1:40. Hoje, durante os treinos semanais da ACORJA, convivo com corredores felizes, de diversas profissões e de classes sociais diferentes, que fortaleceram o meu conceito de equipe e me fizeram acreditar que eu poderia participar de uma maratona, o sonho de todo corredor. Estou quase lá!
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Registro de minha participação no longão de 30 km na Serra das Russas, Pombos/Gravatá, Pernambuco, em agosto de 2010. (FOTO: Paulo Sobral) |
Amigos da ACORJA, se hoje eu corro mais e sou mais feliz devo isso a vocês. Obrigado!